A nudez está na moda

A nudez está na moda

Depois da fase politicamente correta e conservadora iniciada nos anos 1990, um terremoto abala as publicações de moda: a sensualidade e os pelos pubianos voltaram. Será o fim da caretice?

Em fevereiro de 2007, quem folheou distraidamente a Vogue Paris, a mais deslumbrante revista do mundo da moda, foi sacudido por um pequeno terremoto. O epicentro se encontrava precisamente em uma matéria chamada Sex Fort, pautada, de acordo com a chamada, pela “lei do desejo” e pelo “vinil afrodisíaco”. Eram seis páginas com uma modelo loira. O nome dela: Lara Stone (nome de heroína de história em quadrinhos). O do fotógrafo: Mario Testino. Em duas imagens Lara deixava aparecer a calcinha branca com estampa da Margarida, a namorada do Pato Donald. Na última imagem, ela estava sem calcinha, exibindo, desinteressadamente, os pelos pubianos – e tudo mais – para os leitores. A editora responsável por essa reportagem era Carine Roitfeld. Fotos de modelos nuas já foram mais freqüentes nas revistas de moda. Especialmente nas francesas. França não rima apenas com croissants, St. Tropez, vinho incomparável ou Gauloises sem filtro. É o lugar onde as mulheres mais seguras de si desafiam as convenções sociais. Especialmente em Paris, que, além de tudo, é a capital da moda mundial. Não à toa a Vogue francesa leva no logotipo a palavra Paris. Vogue Paris. Uma sutileza que poucos percebem, mas que é fundamental.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Durante os anos 1970, a Vogue Paris teve como colaboradores duas das maiores lendas da fotografia de moda: Guy Bourdin e Helmut Newton. Bourdin colocava sua imaginação em um universo anárquico, provocador. Newton, mais cerebral, envolvia suas matérias em um ambien te de sexo e luxuosa decadência. Os dois publicaram inumeráveis ensaios de moda em que, frequentemente, suas modelos apareciam quase nuas. Ou totalmente nuas. Foi no estúdio da revista, na Place du Palais Bourbon, que Newton fez um de seus clássicos: o autorretrato com uma modelo nua refletindo em um espelho o fotógrafo, vestido com uma capa de chuva (um trench, no mundo da moda), enquanto, a seu lado, sua mulher, June, o contempla. Pela janela se podem ver a praça e Paris ao entardecer. Puro Velásquez.

Em 1981, por exemplo, a Vogue Paris publicou uma série de fotos de Newton na matéria Beaute Silhouette 82. Em uma página, um grupo de modelos aparecia vestido com as roupas da ocasião, enquanto que, na página oposta, elas estavam na mesma posição, mas nuas. Da cabeça aos pés. Não provocaram grande comoção, mas a série acabou sendo exposta em vários museus e no famoso – e volumoso – livro Sumo.

A moda vive sempre em um processo de gangorra no qual aquilo que um dia era “cool” depois de um tempo deixa de sê-lo. A partir dos anos 1990, o politicamente correto começou a se infiltrar nos conceitos criativos das redações e a sexualidade nas fotos, de certa maneira, foi deixada para um segundo plano (a descoberta do vírus HIV ajudou, também, a frear o frenesi tanto na vida real como na imaginária). Carine Roitfeld foi redatora da Elle francesa por algum tempo e depois se interessou por produção de moda. Um dia, em uma sessão de fotografia para crianças – sua filha era uma das modelos –, conheceu o fotógrafo Mario Testino. Surgia ali uma dupla que revolucionaria o marasmo em que a fotografia de moda havia estacionado. Eles produziram campanhas memoráveis para clientes como Gucci, Calvin Klein e Versace. De alguma forma, em algum lugar das corporações sempre tem alguém que detecta quando é preciso mudar. Em 2001, Carine Roitfeld foi convidada para ser editora da Vogue Paris. O ponto de partida dela era criar uma publicação descaradamente desencanada em fazer a moda acessível para seus leitores. Uma revista em que Juliette Greco se misturasse com Ziggy Stardust1. E foi o que fez. Isso a colocou fora do alcance da neura de ter de agradar a todo mundo, a verdadeira kryptonita2 de qualquer publicação. O resultado? Aumento de 60% de publicidade durante sua gestão, o melhor desempenho desde os anos 1980. Criatividade e ousadia compensam. Isso a colocou, também, na posição de poder utilizar as páginas da revista como um terreno
fértil para suas criações. E de decidir que a nudez não seria castigada.

“Gosto dela [Lara] porque é diferente das outras modelos, mais redonda, fica com vergonha…”, disse Carine na ocasião3. As modelos passaram a confiar nela e se entregar aos fotógrafos para ser transformadas em deusas. Na edição de dezembro de 2007, a revista publicou um calendário com 13 imagens da modelo Karen Elson vestindo algumas peças do megaestilista John Galliano. E amarrada por cordas. Glamour Bondage era o título da matéria. Em qualquer outra publicação isso seria uma provocação. Na Vogue Paris, não. O efeito era absolutamente chique. Não adiantaram muito os poucos telefonemas de leitores ultrajados (sempre existe o leitor ultrajado, essa figura que, em vez de não comprar mais a revista que o incomoda, faz questão de ligar para a redação e perder seu tempo e o dos outros dizendo que não vai mais comprar a revista; o resultado é o mesmo). Carine continuou firme no cargo. Já na Mikael Jansson foi para a Ilha de Antígua e de lá voltou com fotos de uma mergulhadora com todas as garrafas de oxigênio a que se tem direito, nua – da cintura para cima, é verdade – e vestindo apenas um relógio. A matéria era de… relógios, claro.



 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A nudez não pertence a nenhuma revista, e a moda é feita de muitos espelhos. Logo outras publicações começaram a mostrar modelos nuas em suas páginas. Um seio aqui. Um outro ali. O corpo todo. A relativamente nova Love (“Fashion & Fame” está escrito em pequenas letras abaixo do logotipo), em sua terceira edição, desembarcou nas bancas de Londres com oito capas – entre elas, Amber Valletta, Christen McMenamy, Naomi Campbell, Daria Werbowy, Natalia Vodianova e Kate Moss. Todas na mesma pose e nuas. Dentro – envoltas pelo manto do título The Fashion Icons –, elas se expõem por inteiro e em preto e branco por páginas e mais páginas de fundo branco. Antes, em seu primeiro número, a Love (bianual) tinha deixado claro ao que vinha: na capa e em uma longa matéria, a opulenta cantora Beth Ditto se apresentava nua em um ensaio de moda minimalista.

Kate Moss, aliás, é um caso à parte na pequena constelação das supermodelos. Nunca antes na história da moda uma profissional apareceu o mesmo número de vezes tanto vestida quanto nua em tantas publicações. Sua nudez nunca afetou os volumosos contratos que fez para ser o rosto de inúmeras marcas, e sua última aparição nua foi na mais recente edição da Vogue Homme International, uma revista de moda masculina bianual cuja editora é ninguém menos que Carine Roitfeld, que acumula a função com seu cargo na Vogue Paris. Em 1976, quando a revista se chamava apenas Vogue Homme, Helmut Newton (sempre ele) publicara o que mais tarde se tornaria uma das imagens clássicas da fotografia de moda: uma modelo nas ruas de Paris – iluminada pela luz que Brassai já havia registrado – vestindo um terno Saint-Laurent. A seu lado, uma outra modelo totalmente nua. Hoje, sob o comando de Carine, a maior parte da redação é composta por mulheres. A teoria dela é que ninguém melhor do que uma mulher para saber o que é bom para um homem. Na última edição de verão, dez páginas mostram a esplendorosa Kate Moss fotografada pelo ex-namorado Mario Sorrenti, tão ao natural quanto as intocáveis praias do Caribe que servem de cenário para a matéria.

O efeito Roitfeld tem se espalhado com rapidez por outras revistas de moda. A francesa Numero, a inglesa Pop 4 e a edição japonesa da Vogue mostram com frequência modelos nuas. Uma prova de que a nudez nas páginas de revista não será mais castigada. E que as modelos – famosas ou não – não têm problema em tirar a roupa se for para publicações femininas e misturadas à elegância das grifes mais caras do planeta. O luxo, nesse caso, compensa.

Fonte: http://playboy.abril.com.br/sexo/literatura/a-nudez-esta-na-moda/

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